
A Internet de hoje é, indiscutivelmente, a melhor que já tivemos, mas está repleta de armadilhas. As preocupações com a privacidade e a segurança parecem agravar-se, e os apelos para uma maior intervenção governamental são cada vez mais sonoros. O problema é que, quando o bloqueio de conteúdos é promovido como a solução para um problema (como a pirataria), de repente, todos os governos encontram um problema que precisa dessa mesma solução.
Há quinze anos, a ideia de bloquear sites era maioritariamente limitada a conteúdos abusivos. Hoje, é uma prática normalizada em quase todo o lado, seja para travar a pirataria, silenciar propaganda ou castigar quem não cumpre as regras locais.
O bloqueio “nosso” e o bloqueio “deles”
No entanto, a maioria dos bloqueios que encontramos no dia a dia não é imposta; é uma escolha pessoal. Muitos de nós usamos navegadores com bloqueadores de pop-ups ou ferramentas como o uBlock Origin para travar publicidade intrusiva, que de outra forma destrói a nossa privacidade e a usabilidade da web.
Para utilizadores mais avançados, softwares como o Pi-hole permitem não só bloquear anúncios ao nível do DNS, mas também contornar os bloqueios de sites impostos pelos operadores de Internet.
O sucesso destas ferramentas pessoais depende totalmente das listas de bloqueio (blocklists) mantidas por terceiros. Muitas destas listas, como as populares do repositório Hagezi no GitHub, são vistas como um esforço genuíno para manter a Internet mais limpa e segura, muitas vezes mantidas por uma única pessoa no seu tempo livre. Estas listas tentam encontrar um equilíbrio entre bloquear “lixo” e não “partir” os sites que visitamos.
O diabo está nos detalhes (e nos erros)
Claro que todas as listas de bloqueio contêm erros. Um exemplo curioso encontra-se numa lista “Anti-Pirataria” com mais de 11.000 entradas. Em teoria, bloquearia milhares de sites pirata, mas na prática, muitas entradas estão desatualizadas. Um dos domínios bloqueados é o welcometothescene.com.
Este site já não está ativo, mas pertencia a “The Scene”, uma minissérie de 2004 sobre pirataria que foi distribuída gratuitamente online sob uma licença Creative Commons. O último episódio foi para o ar há 20 anos. Como foi parar a uma lista anti-pirataria e por que lá continua, é um mistério.
E é aqui que reside a diferença crucial: as listas de Hagezi são gratuitas, voluntárias e, acima de tudo, transparentes. Quando um erro como este é detetado, pode ser publicamente apontado e corrigido. É a força do código aberto em ação.
O perigo das “caixas negras” oficiais
Em contraste direto, os regimes formais de bloqueio anti-pirataria (impostos por governos ou tribunais) são obrigatórios para todos e são a antítese da transparência. As listas são secretas e não há escrutínio público.
Se um site legítimo for bloqueado por engano (o chamado “overblocking”), provar o erro e encontrar o responsável é uma tarefa quase impossível. O sistema protege quem manda bloquear, ponto final. A falta de transparência é muitas vezes justificada como uma “estratégia” para que os operadores dos sites não saibam que estão a ser bloqueados, o que só faria sentido se o bloqueio fosse tão ineficaz que ninguém desse por ele.
No final, a abordagem aberta de Hagezi, mesmo com os seus erros, permite que o utilizador escolha o que quer ou não bloquear na sua própria rede. Os bloqueios impostos, por outro lado, são caixas negras sem qualquer responsabilidade. Embora muitos ainda acreditem que este futuro de bloqueio proprietário não chegará amanhã, a verdade é que, nos últimos 15 anos, ele “chegou sempre ontem”.
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